Um dos maiores defensores da cultura da doação no país e autor de livros sobre o assunto, Marcelo Estraviz vem escrevendo uma história importante na mobilização de organizações da sociedade civil pela captação de recursos. Fundador da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e presidente do Instituto Doar, ele acredita que o aumento do montante doado permite realizar mais ações, investir na profissionalização do terceiro setor e ampliar a defesa e a legitimidade das causas.
Em entrevista à Fundação Assis Chateaubriand, Marcelo lembrou que é possível ampliar o número de 35 milhões doadores no Brasil, assim como dobrar o valor arrecadado com pessoas físicas, que é de cerca de R$ 5,5 bilhões ao ano e supera o investimento em ações de empresas para filantropia. Para ele, a força das pessoas normais doando pequenos dinheiros é fundamental para a área social. Confira:
Como é possível ampliar a cultura da doação no Brasil?As pesquisas são elementos importantes para avaliarmos se estamos indo num caminho bom e para vermos se estamos indo bem na campanha pela cultura de doação. Há várias pesquisas qualitativas e quantitativas sendo realizadas. Estamos começando a obter os dados que precisamos para acompanhar e fazer melhorias.
Outro ponto importante são as campanhas. O Dia de Doar é um dos braços de ampliação da cultura de doação no país. Funciona como uma provocação, uma vez por ano, para as pessoas pensarem em como doar nos outros dias também. Gera um efeito simbólico de doar. E tudo isso, para quê? Com pesquisas e campanhas, colocamos na prática mais dinheiro no setor. Um dado mostra que temos 35 milhões de doadores no Brasil. Somando o que as pessoas físicas, doam, são R$ 5,5 bilhões no Brasil.
É um número significativo, maior do que as empresas, assim como é no mundo inteiro. O dinheiro pequeno das pessoas comuns, somado, é muito maior do que o montante que as empresas doam de filantropia. Se consigo dobrar esse número, consigo R$ 5 bilhões novos para o segmento social. Só para se ter uma ideia, o déficit do país é de R$ 30 bilhões. A gente consegue um sexto disso só com a força das pessoas normais dando pequenos dinheiros para área social.
O Dia de Doar está nesse contexto. É uma ação estratégica para fazer com que os brasileiros percebam que sua contribuição é importante. Os R$ 10 que a pessoa doa vão fazer diferença. Seja doando em dinheiro, seu tempo, sangue, materiais. O ato de doar fazer parte do nosso cotidiano. É essa experiência de doar que a gente quer trazer para as pessoas.
De que maneira as pessoas podem perceber que fazem a diferença?Somos protagonistas. As nossas pequenas ações cotidianas mudam o mundo. O fato de fazer uma doação de sangue parece pouco, mas quando você vê os resultados, quantas pessoas tiveram as vidas salvas por causa das doações, a sensação de protagonismo é muito forte. Faz muito bem para quem doa, não só para quem recebe. Causa uma sensação de pertencimento, você se sente grato pela oportunidade de fazer aquilo.
Tudo isso gera um modelo mental diferente. Em geral, as pessoas estão passivas de dizer que os problemas e soluções estão nos outros, que a culpa é dos governos, dos vizinhos, não é sua. Quando a gente orienta atos voluntários, você é parte da solução. Esse sentimento gera mudança de mundo. Quando se está passivo do processo, pensa-se que os problemas gigantes precisam de um super-herói, mas podem ser resolvidos por pessoas comuns. São pessoas comuns fazendo coisas extraordinárias. Esse é um efeito importante para as pessoas sentirem.
O que as organizações da sociedade civil podem fazer para melhorar sua captação?As organizações sociais podem aprender muito nesse processo. De forma associada, quando conseguem esse esforço em campanhas, estão aprendendo a captar melhor. O esforço concentrado no Dia de Doar gera um resultado melhor. É um aprendizado. Para as pessoas comuns, serve para saber que se pode doar durante todo o ano. Nos Estados Unidos, está se percebendo a força desses giving days, muito em função do Giving Tuesday. As experiências mostram que, em vez de campanhas soltas no ano, é melhor concentrar os esforços em um dia, para uma grande arrecadação, mobilizando toda a sociedade. Esse modelo de concentração de energia gera mais resultados.
Você costuma defender que as ações organizacionais não mais convencem as pessoas. E afirma que somente convence o que faz sentido, com causas bem definidas. O que é preciso fazer para que as instituições percebam isso e se reinventem?
São as causas que nos movem, quando ditas por pessoas comuns. A gente se inspira quando um amigo, um familiar nos diz. As questões mais burocráticas, textos fakes, publicidade bonita não convencem mais. Mesmo na publicidade, o uso da contação de histórias (storytelling), faz a gente acreditae mais. O que nos move cada vez mais vai ser focado no que outro fez. Na Espanha, há uma campanha todo ano para ampliar número de doadores, com 20 a 30 organizações juntas. Ela é totalmente concentrada em filmar depoimentos de doadores. São doadores convidando outras pessoas a doar.
A melhor forma de convencer pessoas a doarem é por experiência própria. Vamos viver de que forma, se não por causas? Podemos viver por dinheiro, mas isso é insuficiente. O que nos move são as causas. Além de ter o meu dinheiro e as minhas coisas, vou ajudar pessoas, melhorar a desgraça, coisas que nos fazem sentido para a vida, que tenham um propósito. Algo que nos faça brilhar o olho. As causas que mais inspiram os brasileiros a doar, segundo pesquisas, são crianças (33%), idosos (18%), saúde (17%) e educação (7%). As organizações precisam descobrir o que passa na cabeça do doadores, por que eles doam, quais são as motivações e como replicar essas motivações.
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