Pedal urbano: lazer, esporte e transporte, tudo junto e misturado

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:16/04/2013 13:00Atualização:04/05/2013 10:41
Pedal do Salto Alto: grupo exclusivamente feminino reuniu cerca de 100 meninas no passeio (Leo Cabral/Divulgação)
Pedal do Salto Alto: grupo exclusivamente feminino reuniu cerca de 100 meninas no passeio
É só chegar. Ou quase isso. Bicicleta, é claro, capacete e sinalização luminosa são indispensáveis para quem quer pedalar pelas ruas de Belo Horizonte à noite. De tão simples, os entusiastas do ciclismo – como esporte, lazer e transporte alternativo - engrossam o time dos mais de dez grupos existentes na capital dedicados à prática da pedalada urbana. Presidente do Mountain Bike BH (MTB-BH), o advogado de 35 anos Lucas Moreira acredita que o crescimento é espontâneo. Segundo ele, os adeptos têm se organizado por regiões e contaminado a cidade com o espírito do esporte. O MTB-BH lidera o Rolé Urbano das Terças, ou Ruts, que sai às 20h de alguma praça. Os roteiros variam e o grau de dificuldade é baixo. É um grupo amigável para os iniciantes, o passeio é calculado entre 1h30min a 2h e a quilometragem varia bastante, entre 15 e 40 quilômetros.

Dino Macedo, de 62 anos, já fez seis viagens longas de bike. A maior foi de BH a Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Foram 1014 km percorridos (Arquivo Pessoal/Walder Carmo)
Dino Macedo, de 62 anos, já fez seis viagens longas de bike. A maior foi de BH a Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Foram 1014 km percorridos
Na linha dos que abrem os braços para quem não tem muita prática está também o Le Vélo. Os dois - junto com o Moutain Bike Barreiro – são os grupos mais antigos da cidade, criados em 2003 e 2004, mas o último reúne amadores com mais experiência que chegam a percorrer até 60 quilômetros em duas horas e meia de percurso. “Geralmente a gente pedala forte”, explica o motorista profissional de 62 anos, Dino Macedo, um dos líderes desse grupo. Apaixonado pelo esporte ele relembra as sete viagens longas que já fez em 15 anos de ciclismo. “Foram seis de 600km e uma de 1014km, de BH a Bom Jesus da Lapa, na Bahia”.


Se a declaração do ‘vovô jovem’, como Dino é carinhosamente conhecido entre os ciclistas, soou intimidadora, nada com que se preocupar. Na cidade margeada pela Serra do Curral tem lugar para qualquer interessado em se exercitar em cima de uma magrela. “Somos conhecidos como o grupo mais organizado, funcionamos como uma escolinha. A gente pega pela mão e fala: ‘é assim que pedala, a favor do fluxo e não na contramão”. Tiago Negreiros Cananea, 33 anos, é analista internacional e um dos monitores do Le Vélo. Juntos, o time de 80 pessoas sai da esquina das ruas da Bahia com Fernandes Tourinho sempre às quartas-feiras, às 20h30. Dez monitores equipados com rádio-comunicadores circulam também em duas rodas ao redor da equipe. E ainda: dois veículos acompanham a viagem, um à frente dos ciclistas e outro no final. Nesse grupo, questão de segurança é prioridade para quem quer se exercitar ao sabor do vento, aliviar o estresse e se concentrar apenas em não cair e nas regras do Código Brasileiro de Trânsito. Sim, um dos objetivos da liderança do ciclismo na capital é ensinar os iniciantes a como transitar na via urbana.

Luiz Otávio Pereira, advogado, tem 54 anos. Se não chover - e isso é regra geral, os grupos não saem debaixo d’água -, ele, a filha de 24 anos e o namorado dela saem com o Le Vélo. “Para evitar assaltos os participantes não sabem qual será o trajeto”, explica. Luiz conta que há 30 anos abandonou a bicicleta, mas em janeiro de 2013 resolveu mudar o rumo da história. Para ele, que é praticante de karatê, a pessoa “não precisa ser atleta” para participar, mas é necessário ter “um condicionamento físico razoável principalmente por causa da topografia da cidade”.

As rodas das bicicletas giram, de novo, mais uma vez, uma quarta, décima ou centésima vez e pronto. “A pessoa toma confiança, pega autonomia, se sente mais segura e segue para outros grupos em busca de quilometragens maiores, velocidades maiores e sem apoio de carro”, explica Cananea. “Somos o grupo que mais cuida do participante e tem mais iniciantes”, diz. A média de distância dos passeios é de 15 a 18 quilômetros.

Le Vélo é um dos grupos mais antigos de pedalada urbana noturna de BH (Marcos Vieira/EM/DA Press)
Le Vélo é um dos grupos mais antigos de pedalada urbana noturna de BH
E se foi logo depois da virada de ano que Luiz Otávio decidiu tirar a poeira da bike, foi no mesmo mês que nascia o Zoobiker, o atual caçula dos grupos de pedalada urbana noturna em BH. O título pode (quem sabe?) já estar até no passado. Não há por que ter certeza de que ali na esquina não tenha grupo novo se organizando. Mas até que se prove o contrário, o publicitário Marcos Pina, de 40 anos, é o idealizador do grupo mais recente. “Eu jogava futebol e tive um problema na coluna. Eu pensava: vou ter que fazer alguma coisa, senão vai ser muito triste”. A bicicleta que, segundo ele, “estava lá, só de enfeite” voltou a atrair a atenção de Pina que fez uma revisão e colocou o ‘bloco na rua’. “Eu resolvi montar um grupo que fosse mais informal, mais espontâneo, que aceitasse qualquer idade e qualquer tipo de bicicleta. Que fosse divertido e heterogêneo”. Ele começou a pesquisa e percebeu que na agenda da capital das Gerais a segunda-feira estava livre. Bingo! É no primeiro dia útil da semana, às 20h15, que ele sai em companhia de outras 40 pessoas da Praça da Savassi para o pedal noturno. Ele conta que cada semana o time tem um padrinho - um ciclista mais experiente - que se manifesta para guiar. “Nossa regra principal é: ninguém fica para trás. Todo mundo espera mesmo”, conta.

Lilian Franckevicius é administradora e tem 28 anos. Incentivada pelo namorado, há dois anos começou no ciclismo de trilhas, aos finais de semana, até que decidiu encarar as ruas. “Era muito receosa e tinha muito medo. Os carros passam muito perto”, diz. O fato é, que segundo ela, “de repente o medo acaba”. O impedimento se foi e hoje, a administradora conta entusiasmada que a presença feminina nesses grupos tem aumentado. “As amigas que chamei estão gostando demais de pedalar no asfalto”. A turma de Lilian sai da Rua Major Lopes, 14, no Bairro São Pedro, quintas-feiras, entre 19h30 e 20h. As moças integram o Passeio Urbano Noturno das Quinta (Punqs), liderado pelo engenheiro e empresário Daniel Trindade, de 34 anos. “Nosso objetivo é ensinar a pedalar na cidade”, explica. O grupo prioriza a utilização das ciclovias e o percurso varia entre 10 e 20 quilômetros. Uma particularidade do Punqs é a oferta de aluguel de bicicletas para quem deseja experimentar antes de adquirir o veículo.

Lilian Franckevicius começou a pedalar em trilhas para depois encarar o asfalto (Arquivo Pessoal)
Lilian Franckevicius começou a pedalar em trilhas para depois encarar o asfalto
No elenco desse time está também o empresário e funcionário público aposentado Pedro Trindade, pai de Daniel, que desde os 50 anos encara trilhas e asfaltos ao lado dos dois filhos. “Em 1993, meus filhos, de 12 e 13 anos descobriram o Mountain Bike. Eu os levava para fazer trilhas e pensei: por que não eu?. O ciclismo é uma coisa fantástica na minha vida”. O trio familiar – que tem como negócio uma oficina e loja de bicicletas - usa o veículo de duas rodas não apenas para a prática do esporte, mas também como transporte. “Eles (os filhos) vão para o trabalho de bike. Estou no meu terceiro curso de graduação, faço Direito e vou e volto de bicicleta todos os dias”, conta. E emenda: “já contaminei algumas pessoas”. Pedro diz que alguns colegas de faculdade também se entusiasmaram com essa alternativa de locomoção na cidade congestionada de carros, ônibus e caminhões. Militante, ele reflete: “temos que vencer um problema que é cultural, o próprio respeito aos ciclistas é uma questão cultural. O uso da bicicleta tem crescido, mas devia ter muito mais gente”. Observador do cenário, ele afirma que atualmente a participação das mulheres tem crescido mais que a de homens. “Tanto na trilha quanto na cidade”, afirma o empresário.

MULHERES
A designer Marcela Abreu, de 29 anos, é uma das idealizadoras do Pedal do Salto Alto junto com outras cinco amigas. A ideia de criar um grupo de pedalada exclusivamente feminino surgiu ao redor de uma mesa de pizzaria em 2010. O sexteto se conheceu através do MTB-BH, que é um grupo misto e pensou: "Vamos pedalar um dia como se estivéssemos em Copenhagen? Essa era a ideia: incentivar as meninas a pedalar, de um jeito alegre, divertido”, relembra a designer.

Marcela se surpreendeu quando, no primeiro dia de vida do blog, ela e as amigas alcançaram quase mil acessos. “Já vamos para o 10º evento e desde então só tem crescido o número de participantes”, afirma. Ela volta no tempo para relatar que o primeiro passeio aconteceu em novembro daquele ano, num dia de muita chuva. “Mesmo assim, foram 20 meninas pedalando”, conta. O entusiasmo daquele grupo reverberou e o último encontro reuniu quase 100 meninas. “Foi lindo”. “Nosso objetivo é incentivar mais mulheres a pedalar, a perder o medo do trânsito, a perceber que não precisa ser atleta para usar a bicicleta, que pode ser incorporada ao dia a dia como um meio de transporte rápido e saudável”, completa.

Os encontros acontecem a cada dois meses, são diurnos e o perfil das participantes é variado, com uma coincidência: “a maioria chega com histórias de insegurança para andar de bicicleta na rua. Ao final, a emoção é enorme quando conseguem terminar o percurso”.

 (Arte: Soraia Piva)


E VOCÊ?

O fim do percurso é o início de uma nova história do belo-horizontino com a cidade. A pedalada urbana noturna é um trampolim, no sentido positivo da palavra, de uma prática de exercício para uma reflexão sobre um problema de quem mora na capital mineira, o trânsito. “Começa como lazer e vira transporte”, resume Cananea, do Le Vélo. E parece que a coisa é mesmo assim, tudo junto e misturado. “Não dá para separar o uso da bicicleta como lazer da prática de uma atividade física, da sua utilização como transporte alternativo ou complementar e da opção de usar um veículo que não polui”, complementa.

Pina concorda. “O surgimento de novos grupos têm mostrado isso. Daqui a um ano a história vai ser diferente, tanto para quem pedala, quanto para o motorista e o pedestre. A convivência será mais amistosa porque as pessoas vão perceber que a bicicleta ajuda o trânsito. Não vai ser de um dia para o outro, mas é um movimento que veio para ficar”, resume.

Marcela, Lilian, Vinícius, Dino, Marcos, Pedro, Tiago, Luiz, Daniel e Lucas. E quantos outros que não dá para contar já estão se mexendo. E você, vai continuar parado?


    • 16/04/2013
    • Pedalada urbana em Belo Horizonte
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