Secretário-geral do Gife fala das tendências do investimento social privado
Confira a entrevista de André Degenszajn. Ele analisa o cenário nacional e destaca a importância de se investir em projetos sociais de interesse público
Não há dúvidas de que ainda há muito a explorar e aprimorar no mundo do investimento social privado no Brasil. O olhar das empresas e organizações da sociedade civil para as causas sociais vem evoluindo muito ao longo dos anos, porém ainda há vários desafios a serem superados. Em entrevista à Fundação Assis Chateaubriand, o secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), André Degenszajn, frisou que o Estado não tem condições de investir sozinho no bem da população e defendeu um esforço conjunto da sociedade por melhorias em qualidade de vida.
Saiba mais sobre cada um desses pontos na entrevista a seguir.
Fundação Assis Chateaubriand: O investimento social privado é um tema cada vez mais presente no mundo dos negócios. O que ele significa?
André Degenszajn (AD): É um conceito desenvolvido no Brasil, na década de 1990, quando o Gife foi criado. Ele descreve o aporte voluntário de recursos privados para projetos de interesse público. O investimento social privado, de um lado, se distingue dos recursos públicos, investidos em área ambiental, cultural, de organizações privadas, mas respondendo ao interesse da sociedade. Ele também se distingue da filantropia na medida em que se pressupõe que seja de forma sistemática, planejada e monitorada que deve ter como finalidade gerar uma transformação social.
Fundação: Qual é a importância de se investir em projetos sociais de interesse público?
AD: Quando a gente olha para o conjunto de investimentos sociais, o ator fundamental é o Estado, que existe para prover uma série de serviços e investimentos de interesse da sociedade. Mas as instituições privadas também têm atuação nessa esfera pública, afinal é responsabilidade da sociedade lidar com seus próprios problemas, não só o Estado. Geralmente, o investimento privado vem alinhado com políticas públicas, o que não significa necessariamente uma parceria direta. Ao investir em educação, por exemplo, uma fundação precisa conhecer as estratégias do governo naquela área.
O orçamento do Ministério da Educação está próximo de R$ 100 bilhões. Quando se vê pelos associados do Gife, o valor é algo em torno de R$ 1,5 bilhão. Não é pelo volume, mas pela forma como é aplicada. Aí entram os desafios que as organizações enfrentam. O Estado, muitas vezes, não tem condições e não é o ator melhor posicionado para fazer investimentos. O ator privado pode ser um vetor de criação de novas abordagens, experiências, tecnologias que depois podem ser absorvidas por políticas publicas, com mais agilidade de recursos.
Fundação: Como é o cenário no Brasil hoje e quais são as áreas que recebem maior investimento?
AD: Com o cruzamento das pesquisas do Censo Gife e do Bisc da Comunitas (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), chegou-se a um valor de R$ 3,2 bilhões de reais por ano investidos diretamente por empresas, institutos, fundações empresariais, independentes e familiares.
A educação é a principal área de investimento social privado. Cerca de 84% dos membros do Gife trabalham com educação em algum grau. Outros temas são importantes e recebem investimento, como meio ambiente e cultura. Saúde é uma área que tradicionalmente não tinha muito investimento das organizações do Gife, mas vem crescendo nos últimos dois anos, em especial na área de oncologia e de pessoas com deficiência.
Fundação: Quais são as tendências e principais desafios para 2015?
AD: O Gife lançou recentemente um posicionamento que descreve essas tendências.
1) A primeira delas é o alinhamento com as políticas públicas, com educação, saúde, áreas centrais de prerrogativa do governo, provisão de serviço. Há uma preocupação crescente que ações de investimento social estejam alinhadas com políticas públicas.
2) O segundo ponto está ligado ao papel do investimento social e sua relação com a sociedade civil. Aí vem uma demanda que tem a ver com recursos transferidos dos investidores para organizações da sociedade civil. Há uma demanda maior de recursos que as organizações não conseguem suprir. Isso não é responsabilidade dos institutos e organizações, mas tampouco se consegue achar solução.
3) O terceiro ponto é o papel no volume de pequenas doações até grandes doações. Há um potencial de aumentar o volume de recursos privados, com recurso de pessoas físicas e jurídicas. A ideia de filantropia era mais caritativa, solidariedade, ações comunitárias. O investimento social é diferente, foca em resultados, processo de gestão, monitoramento. No Brasil, há uma série de incentivos, mas o potencial desses incentivos é muito baixo. É preciso incentivar institutos, organizações, trazer informação e mostrar como as pessoas podem fazer um melhor uso, com recursos ligados ao imposto de renda.
4) O quarto ponto é uma tendência importante. Até meados do ano 2000, havia uma percepção de que as empresas deveriam criar institutos e fundações o mais distante dos negócios para que não contaminasse, não prejudicasse o trabalho. A empresa atuava com negócios e o instituto que fazia o bem social. Com a ideia de responsabilidade social, não tem como essa dicotomia ter sentido. Passou a ser necessária uma maior interlocução dos institutos e fundações com as empresas. Agora os institutos e fundações passam a atuar nas áreas das suas empresas, fazem conexão entre áreas de negócio e projetos sociais.
5) O quinto é o papel dos investidores sociais no desenvolvimento de negócios de impacto social. É uma questão interessante, vem ganhando força de empresas privadas que geram lucro, mas que existem para gerar impacto social. O natural são empresas apoiando organizações sem fins lucrativos para o social. Mas agora são institutos e fundações que passam a apoiar empresas que existem para gerar impacto social. Há entidades sem fins lucrativos apoiando empresas com fins lucrativos. Esse apoio pode se dar tanto na forma de doação ou investimento com expectativa de retorno.
Fundação: Como a união de forças entre investidores pode acelerar esse processo?
AD: São essas cinco áreas que a gente entende que são importantes, são papéis centrais dos investidores sociais. Uma última tendência é a intensificação nas parcerias entre investidores, com maior número de institutos e fundações se ajuntando para fazer projetos de maior envergadura conjuntamente.
Fundação: Quais são as dicas para empresas e organizações que pretendem aprimorar seu investimento?
AD: Há uma tendência de, quando empresa começa a pensar num trabalho social, achar que ela tem que operar, desenvolver tudo, porém às vezes ela não tem experiência nisso. Existem fundos temáticos que captam recursos e apoiam ações na ponta. Pode ser interessante para empresas menores, que querem fundos na área de gênero e direitos humanos, por exemplo. Existe uma rede de fundos independentes pela justiça social, que reúne uma série de fundos. O Gife tem livro desenvolvido recentemente sobre esses investidores independentes.
A segunda dica é identificar organizações que querem apoiar por editais. Normalmente, é mais efetivo quando apoios são pensados no médio prazo, um compromisso de algum tempo, pois os resultados nessa área exigem tempo. Porém a tendência é que os resultados seja muito mais efetivos.