'Avançamos muito, mas ainda não a erradicamos (a pobreza). Temos muito o que fazer', afirma Anna Maria Peliano
Em entrevista concedida à Fundação Assis Chateaubriand, a especialista no tema combate à pobreza e pesquisadora da atuação do terceiro setor Anna Maria Peliano reforça a necessidade de atenção especial dos três setores da sociedade às questões que envolvem os objetivos de desenvolvimento do milênio estabelecidos pelas Nações Unidas.
Na avaliação da socióloga e consultora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as organizações da sociedade civil têm um papel fundamental na busca de soluções inovadoras. Ela defende o protagonismo, engajamento, adesão e compromisso de todos para a mudança de cenário nacional. Confira a íntegra da entrevista.
Como está o cenário da miséria no Brasil hoje? Podemos afirmar que a pobreza já foi erradicada?
Os relatórios brasileiros têm mostrado que o Brasil melhorou em todos os indicadores dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM). Mas é claro que ainda temos muitos desafios. Com relação à pobreza, o país assumiu uma meta mais ousada, de erradicá-la. Avançamos muito, mas ainda não a erradicamos, mesmo com os programas de distribuição de renda e uma série de políticas voltadas à população mais pobre. Temos muito o que fazer.
Quando se fala em miséria e pobreza, não se trata só de acesso à renda. É preciso resolver o acesso a saúde, à educação e ao mercado de trabalho com condições de qualidade. Hoje se discute pobreza com um conceito mais amplo. As médias refletem uma realidade que não é exatamente de todas as regiões. Devemos avaliar caso a caso e as diferenças regionais. As desigualdades são muito grandes no acesso a todos esses serviços. Esse é um desafio muito grande.
Qual é a importância do reconhecimento ao trabalho da sociedade civil organizada na busca de soluções para os problemas sociais brasileiros?Qualquer sociedade de país democrático precisa de uma sociedade civil forte e organizada. Quanto mais organizações que permitam que comunidades possam se expressar e ver seus direitos defendidos, melhor. As organizações da sociedade civil (OSC) têm uma capacidade muito grande para inovar na metodologia, chegar mais próximo das comunidades, com mais flexibilidade de ação. Elas usam estratégias muito inovadoras.
'Há um número enorme de organizações com serviços de qualidade que precisam ser fortalecidas', destaca Anna Maria Peliano
Acredito muito na sociedade buscando a solução de problemas, participando de forma comunitária. Não é só chegar um programa de governo e achar que está resolvido. Qual é o engajamento e a adesão às políticas públicas? As OSC podem ajudar demais nesse diálogo, nesses serviços, com mais protagonismo, mais engajamento. É preciso prestar atenção na sociedade civil. Há um número enorme de organizações com serviços de qualidade que precisam ser fortalecidas. Claro que a obrigação é do Estado, mas se deve deixar espaços e canais da participação da sociedade civil na busca de soluções. Não é só o Estado que vai buscar. Isso é responsabilidade do setor privado também. O papel das empresas vai além de gerar empregos e pagar impostos. É necessário ter compromisso num país com tanta desigualdade. Fazer parte da solução de problemas sociais. E é importante que a sociedade cobre isso das empresas.
Como avalia o investimento social privado hoje no país?
Segundo o último estudo Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC), realizado com um grupo de grandes empresas no Brasil, o setor investiu R$ 2 bilhões em 2013. E a maior parte foi em educação. Esse é um tema que preocupa bastante as empresas, pois reflete na qualidade de mão de obra. É preciso que sociedade também reconheça. Não chamo essa atuação só de responsabilidade social. É uma responsabilidade com a comunidade em torno dos negócios, que geram impactos. Deve-se pensar em como dialogar, como se aproximar e rever o papel a desempenhar na solução dos problemas do país.
Apesar de todos os avanços nas políticas públicas, é necessária a atuação do setor privado. Ainda temos muitos desafios a enfrentar. É preciso que três setores (público, privado e organizações da sociedade civil) dialoguem cada vez mais. A solução dos problemas requer engajamento, adesão e compromisso dos diversos setores da sociedade. Não dá para nos acomodarmos. Os problemas exigem soluções inovadoras, mais recursos e gestão de qualidade.