PALAVRA DA FUNDAÇÃO

Artigo - Quais são as vantagens do MROSC para o terceiro setor?

Leandro de Carvalho analisa os impactos do novo marco regulatório e explica mudanças nas relações entre governos e organizações da sociedade civil no Brasil e no DF


Publicação: 10/11/2016 20:00 | Atualização: 10/11/2016 19:49

 

 

Por Leandro de Carvalho, da Fundação Assis Chateaubriand

 

O Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil (MROSC), instituído pela Lei nº 13.019/2014, tem a proposta de regular as relações jurídicas nas parcerias celebradas entre os entes governamentais (em nível federal, estadual e municipal) e as organizações da sociedade civil (OSC). De uma perspectiva governamental, o MROSC é resultado de um amplo processo participativo, que teve início em 2010, a partir da Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – movimento composto por organizações, redes e movimentos sociais.

 

Em resposta à articulação da Plataforma, o governo federal criou em 2011 um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que envolveu ministérios, a Advocacia Geral da União, a Controladoria Geral da União, além de 14 organizações da sociedade civil de representatividade nacional, indicadas pela Plataforma.

Todo este processo resultou em um Marco que se orienta para regular a relação jurídica entre entes governamentais e OSC em três eixos: 1 - contratualização – todas as questões pertinentes aos contratos, instrumentos jurídicos, por meio dos quais o governo estabelece as parcerias com as OSC; 2 – sustentabilidade – tópicos referentes a tributos, tipos societários, fontes de recursos, etc; e 3 – certificação – títulos, certificações e acreditações concedidas às OSC.

 

No eixo contratualização, o MROSC institui três instrumentos jurídicos: Termo de Fomento, Termo de Colaboração e o Acordo de Cooperação. O Termo de Fomento é o instrumento a ser utilizado para a parceria cujas finalidades sejam de interesse público e forem propostas pelas OSC. O Termo de Colaboração formaliza as parcerias, também com finalidade de interesse público, porém propostas pela Administração Pública. O Acordo de Cooperação destina-se a reger as parcerias entre OSC e Administração Pública, que não envolvam recursos financeiros.

 

Já no eixo sustentabilidade, cabe destaque a ampliação do conceito de Organização da Sociedade Civil e a atuação em rede. No âmbito do MROSC, para os agentes governamentais, o conceito de sociedade civil foi ampliado e passou a incluir também as cooperativas sociais e as sociedades cooperativas integradas por público em situação de vulnerabilidade social, que sejam beneficiárias de ações e programas de combate à pobreza e geração de trabalho e renda. O MROSC também legisla a favor da atuação em rede, a partir do momento que permite que duas ou mais OSC se associem para execução de pequenos projetos, criando as figuras de organização celebrante e organização executante e não celebrante.

 

No que concerne à certificação, a ampliação da abrangência do MROSC determina dispensa de títulos para as OSC, não sendo mais necessário que estas sejam portadoras de títulos para celebrar parcerias com os entes governamentais. Na esfera da União, houve ainda a revogação do Título de Utilidade Pública Federal, tendo sido mantidos os benefícios inerentes a este título para as OSCs.

 

Se nos ativermos somente ao discurso governamental, é inegável que o MROSC se constitui como um instrumento jurídico que promoveu avanços que ampliaram a segurança jurídica e as possibilidades de atuação das organizações da sociedade civil nos projetos em parcerias com os entes governamentais. Todavia, havemos de observar os dois lados da questão e fazer uma análise da perspectivas das OSC, dando ênfase a algumas questões controversas sobre o Marco.

 

Uma crítica de vários juristas especializados em legislação para o terceiro setor é quanto à viabilidade prática do MROSC e a sua eficácia enquanto norma geral de regulação. Segundo o advogado Paulo Haus Martins, “a Lei tem surpresas, não só com relação ao seu teor, mas com relação longo processo para sua entrada em vigor”. Foram 3 postergações de prazo, totalizando 690 dias (quase dois anos) de prorrogação do começo de sua vigência. Pelas palavras do advogado, foi mais tempo do que o Código Civil Brasileiro – legislação complexa e de grande abrangência – demorou para ser implementado. Para ele, isso é um indicativo do quão mal elaborada é a Lei, demandando ajustes, emendas e remendos para sua efetivação.

 

Outro ponto crítico da Lei, de acordo com juristas, é a falta de inovação e importação de modelos que não se encaixam na realidade da maioria das OSC do Brasil. Paulo Haus é enfático ao lembrar que “a sociedade civil se organiza onde ela está [...] e o MROSC, ao permitir que grandes organizações venham de fora, por meio de processos seletivos, está abrindo brechas para que grandes organizações estrangeiras (de fora do local) explodam pequenas organizações que são da sociedade daquele lugar”, que conhecem a realidade local, que estão preocupadas com o bem-estar de sua comunidade. Portanto, obrigar a fazer seleção pode ser construtivo em vários aspectos, sobretudo o ético, mas pode ser destrutivo em vários outros, como a sobrevivência e sustentabilidade das pequenas OSC, que são maioria no Brasil.

 

O advogado Paulo Haus esclarece ainda que “aquilo que era invenção dos funcionários de controle sobre o que era lei sem nunca estar escrito em nenhuma lei, passou a ser, já que a construção do Marco teve a participação de vários funcionários de controle. Portanto, aquilo que não era lei, e que não fazia sentido nenhum para o Direito, passou a estar escrito em lei”. Não à toa, o Marco precisou de 690 dias para entrar em vigor.

 

Para o advogado Tarso Cabral Violin, a lei foi esvaziada pelo Congresso Nacional, que, entre outros esvaziamentos, retirou da aplicação do MROSC (ao não exigir chamamento público) atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política.

 

No que se refere às questões financeiras, o advogado e mestre em ciências sociais Sandro Ari Andrade de Miranda destaca que o MROSC traz uma série de entraves nos seus processos de operação dos instrumentos financeiros, dentro os quais, há a obrigatoriedade de que as parcerias contem com contas específicas para os pagamentos dos objetos realizados por meio de transferência eletrônica. Na prática, essa obrigatoriedade “pode resultar na canalização de recursos públicos para o pagamento de tarifas financeiras, prejudicando o funcionamento de alguns objetos”.

 

No DF, estes entraves financeiros são ainda mais profundos, uma vez que a Minuta do Decreto que regulamenta o MROSC estabelece que “os valores referentes a encargos trabalhistas e previdenciários serão provisionados em conta vinculada”, o que pode ser um atentado à saúde financeira de pequenas OSC. Sabemos que, na maioria dos casos, não há regularidade e cumprimento de prazos nos repasses feitos pelos entes governamentais nas parcerias com as OSCs e estes valores provisionados podem comprometer a consecução dos objetivos da parceria, ainda que temporariamente.

 

Poderíamos ainda discorrer sobre outras controvérsias, como a obrigatoriedade ou facultatibilidade do Marco, a falta de impacto dos “novos” Termos de Parceria para as OSC, ou mesmo a falta de cumprimento dos princípios constitucionais de moralidade e isonomia. Porém, não cabe nos aprofundarmos nestas questões, porque a essa altura já trouxemos à tona o emaranhado de complexidades que envolvem a aplicação da Lei 13.019/2014. É certo que as regulamentações, em nível estadual e municipal, não darão conta de corrigir os equívocos cometidos no Marco, sobretudo porque, da perspectiva do ordenamento legal, não podem legislar em contrário à Lei Federal.

 

Também é certo que estamos em um momento crítico e ao mesmo tempo precioso para as OSC no Brasil. Momento este que poderá ter reflexos positivos ou negativos na atuação do poder público perante as diversas necessidades da sociedade brasileira. A desburocratização das relações de parceria entre o poder público e as organizações da sociedade civil, com foco nos resultados, de forma transparente e monitorada, é necessária e pode ser a solução para diversos problemas que o Estado Brasileiro encontra para a consecução de suas políticas públicas. No entanto, é claro que a normativa já produzida não caminha neste sentido, visando a real desburocratização, primar pela sustentabilidade das pequenas OSCs, estreitar as relações e os canais entre o poder público e a sociedade civil organizada.

 

O Marco Regulatório está aí, é uma lei em vigor. Será que entrará para o rol daquelas leis que não pegaram? O poder público se movimentará no sentido de corrigir as suas incoerências? As OSC se organizarão e conseguirão se articular e pressionar o poder público para reabrir os debates e revisar o Marco? Estas são algumas questões que ficam suspensas e deixam em aberto uma visão clara de quais são os passos necessários para termos um Marco Regulatório que atenda aos anseios do governo sem desamparar ou assassinar as OSC.

 

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