ESPORTE E CIDADANIA

Professor fala de experiência como árbitro de bocha na Paralimpíada

Membro da equipe pedagógica da Fundação Assis Chateaubriand no Centro Olímpico e Paralímpico do Setor O, Loreno Kikuchi conta como foi a realização desse sonho


Camila de Magalhães -

Publicação: 26/09/2016 09:00 | Atualização: 04/10/2016 10:57

Arquivo pessoal Loreno Kikuchi (Arquivo pessoal Loreno Kikuchi)
Arquivo pessoal Loreno Kikuchi
 


A história de Loreno Kikuchi com o esporte para pessoas com deficiência começou ainda na época da faculdade de educação física, em 2003, quando entrou num estágio em Uberaba (MG). Desde o primeiro contato com o paradesporto, Kikuchi se apaixonou pelo trabalho e não parou mais. Já deu aulas de várias modalidades para pessoas com deficiência: natação, atletismo, tênis de mesa, basquete em cadeira de rodas, bocha. Chegou em Brasília há dois anos e, há pouco mais de um ano, integra a equipe pedagógica do Centro Olímpico e Paralímpico do Setor O, em Ceilândia (DF), onde se dedica à melhora da qualidade de vida de dezenas de alunos com os mais variados tipos de limitações. Além disso, trabalha com arbitragem oficial de bocha.



Neste mês de setembro, Kikuchi embarcou para o Rio de Janeiro para a realização de um sonho: participar dos Jogos Paralímpicos Rio 2016. O professor fez parte de uma equipe de mais de 50 árbitros e apitou partidas importantes de bocha, como uma entre Brasil e China, em que estava como árbitro de linha. Em entrevista à Fundação Assis Chateaubriand, Kikuchi fala dessa experiência com arbitragem, desde o convite, até a expectativa e a vivência dentro da arena. Ele fala também do prazer de ajudar os alunos a terem mais autonomia. Confira!

 

Como foi o convite para participar da equipe de arbitragem da Paralimpíada do Rio?

A minha expectativa surgiu a partir do momento em que o Rio foi escolhido como sede dos Jogos. Como é no Brasil, um maior número de árbitros do país é convidado. Foi um processo longo, começou há dois anos, com várias entrevistas, preenchimento de documentos, entrevista on-line, videoconferência. Assim que saiu a convocação, foi muito bom, uma felicidade muito grande, um frio na barriga.

 

E a expectativa para o grande momento?

No último mês que antecedeu os Jogos, eu estava numa ansidade monstruosa. Logo que cheguei, fiz questão de desfrutar e aproveitar  cada segundo. Foi algo que me preparei em muitos anos. Sou árbitro de bocha desde 2004. Em 2006, passei na prova de árbitro internacional. Os Jogos Paralímpicos são a maior competição, a mais importante do mundo. Já fiz Parapan, Open (que abre vagas para Mundial) e o próprio Mundial.

 

Conte um pouco do trabalho nos Jogos.

Antes das competições, a gente junta a equipe de arbitragem, que tem um árbitro-chefe para organizar tudo. A gente faz a checagem dos materiais, de todas as bolas, das cadeiras de rodas. Qualquer tipo de material que os atletas forem usar na competição passa por nós para checagem. Depois, começa a divisão de pares e equipes. Depois, a divisão individual. Foram 7 dias de jogos, com quase 50 árbitros. Foi feita uma escala. 

Quais partidas foram mais marcantes para você?

Há uma definição de que o árbitro não pode fazer jogos do seu país como árbitro principal. No jogo de pares Brasil X China, participei como árbitro de linha. Era um jogo muito esperado, o último jogo da classificação. É difícil não se emocionar quando é o seu país, mas temos que nos concentrar para não interferir no placar. Conheço os atletas do Brasil. A emoção maior foi na primeira rodada, quando a gente entrou na Arena, pensei: 'poxa, estou aqui' e entrei com o olho cheio d'água, respirei fundo. Arena lotada, torcida não parava de gritar, foi arrepio do começo ao fim do jogo. 

 

O que essa participação representa para você?

É um sonho que ainda não está totalmente realizado, mas foi um passo muito grande. Minha meta é estar nos Jogos Paralímpicos como árbitro numa final ou como técnico. Dentro da arbitragem tem as hierarquias, ainda estou no nível C, que é o mais baixo.

 

Arquivo pessoal Loreno Kikuchi (Arquivo pessoal Loreno Kikuchi)
Arquivo pessoal Loreno Kikuchi
 

 

O que você pretende levar dessa experiência para os seus alunos e colegas?

Eu nunca nem imaginava que iria trabalhar com pessoas com deficiência. Eu não escolhi o esporte adaptado. Ele me escolheu. Não me vejo atuando em outra área. Como no início não havia muitos profissionais na área, a gente sempre tinha que estar estudando e evoluindo. O que vou levar é uma experiência única de vivência esportiva. 

 

Muito legal o lado social, ver que, dentro do esporte, a gente pode e deve ter a inclusão de pessoas com deficiência em todas as áreas. Tivemos muitos árbitros, voluntários com deficiência. É um mundo diferente do que a gente vive no dia a dia. Normalmente a gente não vê essas pessoas tão presentes quanto aqui. Quero sair levando essa energia espetacular, essa atmosfera, todo mundo feliz, um ajuda ao outro, uma renovação  de energia para levar a Brasília.

 

Hoje a minha vontade é continuar e fazer com nossos alunos um trabalho pela melhoria do dia a dia, bem-estar físico, psicológico, social e competição, que é o que gosto de fazer. Gosto do esporte inclusivo, de ajudar pessoas a terem inclusão no trabalho, no dia a dia, dar dicas básicas de acessibilidade. São pessoas que a gente tem um reconhecimento grande, eles valorizam bastante e a gente se sente bem em estar fazendo algo melhor por essas pessoas que muitas vezes são marginalizadas até pela própria família. 

 

Como você se sente em ajudar tanta gente a ver a vida com um outro olhar?

No Centro Olímpico, dou aulas de bocha, atletismo e estimulação funcional. Trabalho com casos de paralisia cerebral, paraplégico, lesado medular, hielomengioceles, deficiência visual, autismo, deficiência auditiva, amputações, tetraplegia incompleta. A melhor parte é ter todo aquele esforço, dias e noites de estudos, recompensados na hora que vemos a evolução do aluno que chegou e não conseguia fazer transferência da cadeira de rodas para o banho ou para cama e hoje tem mais mobilidade para atividades diárias. São essas pequenas coisas que, para eles é algo grande, é muito gratificante. Muitos alunos não têm essa vivência  de tocar a cadeira, comer, pegar o prato. Às vezes, os familiares tentam fazer tudo por eles e não dão possibilidade de terem autonomia. Autonomia é a palavra chave de muito que busco com nossos alunos. Se ficar só dependente, o que faz quando não tiver alguém por perto? Essa é a parte mais gratificante. A parte competitiva não é tão inclusiva. A competição é mais seletiva. 

 

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