QUALIDADE DE VIDA

Entrevista: Saúde e tempo livre são fundamentais para qualidade de vida

Glauco Falcão usa reflexão de realidades individual e coletiva para identificar atitudes por mundo melhor. E acredita que educação é o caminho para mudança


Camila de Magalhães -

Publicação: 16/11/2016 12:25 | Atualização: 16/11/2016 12:26

Boa parte do que se tem de decréscimo da nossa qualidade de vida está associada ao comportamento humano. É o que acredita Glauco Falcão, professor das cadeiras Prevenção de Acidentes e Programas Preventivos na Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília (UnB).

 

Glauco é idealizador do projeto Ser humano: saúde e qualidade de vida, levado a escolas, empresas e órgãos públicos. O curso foi ministrado para a equipe da Fundação Assis Chateaubriand nos meses de setembro e outubro de 2016. Segundo o professor, o enfoque desse trabalho é buscar a origem dos ciclos viciosos que vivemos no coletivo e na sociedade.


Em entrevista à Fundação, Glauco afirmou que a origem desses problemas está na macroestrutura da sociedade, nas situações política e econômica em geral, principalmente relacionados às relações interpessoais. Ele defende que é preciso uma análise preventiva da macroestrutura até a microestrutura, onde está o poder da transformação, em cada indivíduo. Segundo ele, esse é o potencial que a gente tem de transformação. Acompanhe a entrevista e confira a visão do especialista sobre a importância da saúde, tempo disponível, educação, vocação, autoconhecimento e prática esportiva.

'A ideia é buscar qual é a sua bússola, a sua orientação. É a revolução individual, iniciar um processo de autoconhecimento', destaca Glauco Falcão (Fotos: Camila de Magalhães/FAC/D.A Press)
"A ideia é buscar qual é a sua bússola, a sua orientação. É a revolução individual, iniciar um processo de autoconhecimento", destaca Glauco Falcão (Fotos: Camila de Magalhães/FAC/D.A Press)

Quais são os grandes problemas identificados nos diferentes meios?

 

Em relação aos meios, seja empresarial, escolar ou militar, percebemos que o meio em si influencia muito pouco. O que a gente verifica é que as situações provadas pela macroestrutura é que trazem esses grandes problemas e grandes distorções. Quando você começa a primar pelo ter ao invés do ser, quando você trabalha na lógica do acúmulo, acumular coisas, quando você se desvincula de que um grande valor que você tem é o seu tempo disponível. São estruturas que vão fazendo que você encare um ciclo vicioso e, dificilmente, saia dele.

 

Essa macroestrutura que nos impõe esse modelo é o principal problema. Ele tem relação com a forma de produção que a gente aceitou socialmente. O trânsito é um problema sério que a gente tem nas cidades. É caótico, provoca acidentes, está assumindo o topo nas causas de mortalidade nas grandes cidades. Por que o nosso trânsito é tão violento, tão rápido? O que nos leva a isso? Obviamente, tem um condutor ali no carro que tem um valor, tem um comportamento que faz com que ele reproduza isso. O andar rápido pode estar relacionado a essa condição de produtividade que a gente vive, que tem que ser rápido. A gente tem que almoçar rápido, fazer tudo rápido. Isso faz a gente ter uma inserção numa cultura, que chamamos de cultura de trânsito, que traz todos esses reflexos.

 

A gente vê uma situação inversa no trânsito: o carro deveria algo para melhorar a qualidade de vida, mas isso não está ocorrendo. É um exemplo particular para a gente verificar essa análise preventiva.

 

Isso pode se dar pelo fato de a sociedade não valorizar a vocação das pessoas? Como isso se reflete no mundo profissional?

 

Todo o nosso sistema educacional está focado num currículo conteudista, de produtividade, que tira o enfoque da vocação ou a motivação intrínseca do nosso jovem. Esse talvez possa ser um dos fatores que nos coloca numa condição de péssima qualidade de vida. Não reconhecer que cada indivíduo tem a sua bússola interna nessa questão da motivação intrínseca e é levado a fazer escolhas que terá boa parte da vida desenvolvendo isso, que é a inserção no mundo do trabalho, onde não vai fazer aquilo pela motivação intrínseca e sim, pela extrínseca.

 

 (Camila de Magalhães/FAC/D.A Press)
O jovem, por exemplo, que teria vocação para ser professor não faria isso por uma pressão social muito grande de que o professor não tem um futuro profissional muito promissor, não tem um salário muito grande, e vai procurar outras profissões que fogem da motivação intrínseca dele. Esse é um problema sério que nós temos.

 

Com essa abordagem, a gente pode trazer a questão dos vícios, a utilização de drogas lícitas e ilícitas como sendo um problema atrelado. O que faz o jovem procurar álcool, cigarro e drogas ilegais é o fato de ele não tem um processo de autorrealização social. Ele vai buscar subterfúgios de outras formas.

 

Hoje o jovem vai para a escola porque é obrigado, tem a pressão dos pais, não vai porque ele quer. Isso se reflete no mundo profissional. Se você estabelece essa reflexão com essa bússola interna que orienta cada indivíduo naquilo que o torna humano faz com o que o indivíduo tenha um desempenho fantástico, que já é algo conhecido em muitos países.

 

Muitos já perceberam essa situação e têm um programa educacional bem trabalhado nesse sentido e colhem o fruto desse processo. As pessoas que vivem nesses países fazem o que querem, movidas por essa motivação e essa energia, e o resultado disso é fantástico. Daí a gente entender o índice de qualidade de vida desses países serem extremamente elevados.

 

Como é possível melhorar a nossa qualidade de vida?

 

Basicamente a ideia é buscar qual é a sua bússola, qual é a sua orientação. É a revolução individual, iniciar um processo de autoconhecimento, de se conhecer e ter contato com isso. O que eu quero? O que me motiva? Qual é o meu projeto de vida? Uma vez identificado isso, incentivar que a pessoa tenha coragem de prosseguir nesse sentido.

 

Qual é a relação da saúde e tempo livre com a qualidade de vida?

 

Saúde e tempo disponível são os bens mais valiosos do ser humano. Um deles tem ligação forte com a dimensão animal: a saúde. O ser humano ou qualquer outro animal sempre vai buscar uma condição onde tenha a melhor saúde. Se você estiver doente, abre mão de qualquer coisa para restabelecer a saúde. Nada vai fazer sentido para você se não estiver gozando de saúde.

 

O segundo está mais ligado à condição humana, que é o tempo disponível. Podemos dividir a dimensão do tempo em duas grandes categorias. Uma é o tempo útil, aquele que você necessita para garantir a sua subsistência. Seria o tempo do trabalho. Aqui eu tenho que garantir a manutenção das necessidades básicas. O outro seria o tempo livre, ou seja, todo aquele tempo fora do tempo útil é tempo livre, mas ele não é todo meu. Dentro do tempo livre, você tem que fazer outras coisas além do trabalho, como se alimentar e dormir.

 

O que passa a ser um bem seu? Para que o ser humano quer o tempo disponível? Ele é fundamental para a qualidade de vida, para que estabeleça sua relação lúdica com o mundo. Vai fazer o seu lazer, seu hobby, seus desafios nesse tempo. Muitas vezes, as pessoas não percebem que, quando estão se colocando numa situação de acúmulo de riqueza, no fundo, se você perguntar para que ela quer dinheiro, ela vai dizer que é para que exerça sua condição humana no tempo disponível dela. Mas ela entra em contradição quando começa a abrir mão desse tempo disponível que tem em função de ganhar dinheiro. Aí vem a grande distorção. Você quer ganhar dinheiro para gozar desse tempo disponível e acaba sendo escravo dele e perdendo, vendendo esse tempo livre.

 

Como estabelecer um equilíbrio entre o individual e o coletivo para alcançar a realização?

 

Você tem duas situações que precisa colocar em equilíbrio: a sua experiência enquanto indivíduo e essa experiência num coletivo. Na verdade, a busca desse equilíbrio é o primordial para você estabelecer uma boa qualidade de vida. Se você caminha para um extremo onde o coletivo é mais importante que o indivíduo, você perde em qualidade de vida. Você deixa que as suas diferenças, que o tornam único, não tenham importância. Isso tira qualidade de vida. Você tem que se realizar enquanto indivíduo também.

 

 (Camila de Magalhães/FAC/D.A Press)
Aí vem uma coisa bacana porque a sua realização como indivíduo é também a realização do coletivo. Isso é algo que a gente esquece, não percebe. Uma coisa que a nossa cultura trabalha muito mal é a questão das diferenças, a aceitação das diferenças. Quando, na verdade, a diferença deve ser algo bem-vindo. Para o coletivo, o fundamental são as diferenças individuais. Todo coletivo diverso é rico. Um coletivo homogêneo é pobre.

 

Temos que ter o entendimento de que ainda bem que existe alguém que gosta de física. Boa parte da nossa cultura depende de conhecimentos que vêm da física. Ainda bem que há gente que gosta da área de saúde, já que alguns sequer conseguem ver sangue. Essa diversidade do coletivo é que vai trazer essa qualidade.

 

Se por outro lado, for para um movimento pendular em que o indivíduo se torna supremo em relação ao coletivo, você também perde qualidade de vida. Você vai ter a sua realização pessoal, mas vai esquecer que boa parte dessa realização é fruto do coletivo. O principal é estabelecer esse equilíbrio entre a individualidade e o coletivo para estabelecer qualidade de vida. Ao meu ver, nós vivemos numa cultura onde a individualidade é valorizada ao ponto de provocar uma distorção, que é a construção da cultura egocêntrica. É o indivíduo que tem o mundo girando em volta dele.

 

De que forma é possível conseguir a transformação da sociedade para melhor?

 

Acredito que a forma de a gente ter uma transformação mais acelerada da nossa cultura é por meio da escola, que continua sendo a grande temática que vai melhorar a nossa qualidade de vida. A partir de ações individuais, a gente consegue reverter um ciclo vicioso. Não creio que uma mudança venha de cima para baixo. Não acredito que um decreto-lei vá mudar meu comportamento no trânsito. Você condiciona, mas a gente não muda essa questão.

 

O que vai acontecer é se, você em contato com o indivíduo, estabelecer um diálogo para que ele entenda que faz parte desse processo, daí eu considerar a escola como elemento fundamental para que esse processo comece a andar no sentido de uma melhora, transformação na saúde e qualidade de vida.

 

Como o esporte entra nessa história?

 

Uma das naturezas da dimensão humana é o lúdico, o autodesafio. O esporte tem um potencial educador, transformador enorme. Mas tem que estar bem orientado. A principal orientação dele é o tipo de competição que você vai trabalhar.

 

A competição externa está ligada ao resultado. No entanto, não é essa a mais importante. A competição interna, se fosse traduzir, chamaria de processo lúdico. Não é só o resultado que me interessa, mas a minha satisfação e o que acontece internamente comigo ao fazer aquela atividade. A questão da superação.

 

Quando você começa a trabalhar o esporte com essa perspectiva, começa a trazer para a criança e o jovem uma possibilidade que pode projetar para a dimensão social. O desafio que ele travar para a vida dele é algo que vai fazer o coletivo evoluir. Fico triste quando vejo o esporte colocado como possibilidade de mobilidade social, porque não é a função dele.

 

O esporte dentro da escola dá alavancagem excelente para o processo de formação cidadã. A questão ética é trabalhada, necessidade da regra. Quando você entende o esporte nessa perspectiva da realização interna, a violência no esporte, por exemplo, simplesmente desaparece. O acidente pode acontecer, mas é diferente de uma entrada desleal. Passar por essa filtragem para que o potencial seja reconhecido.

 

É mais difícil trabalhar com adulto porque tem sistema de valores muito bem sedimentado, embora consiga, quando faz abordagem preventiva. Então, com a escola, atinge-se o adulto por interferência da criança e do jovem. Dentro do raio de ação, você pode interferir. Isso muda o comportamento do adulto formado. A base principal é trabalhar com jovens e crianças.

 

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